
Nos séculos XVIII e XIX, a família Pais do Amaral, estabeleceu importantes contactos e ligações com Itália, desencadeando um conjunto de inspirações, que viriam a refletir-se nas coleções do Palácio Anadia, particularmente nos elementos arquitetónicos, coleções de pintura a fresco, escultura, azulejaria e gravura.

Simão Paes do Amaral nasceu na Vila de Mangualde em 1663, tendo sido batizado a 4 de novembro, do mesmo ano, na Igreja de S. Julião. Filho de Miguel Paes do Amaral e de sua esposa D. Ana do Amaral, seguiu a linha de sucessão da família, enquanto 7º Senhor da Casa de Mangualde.
Casou com D. Leonarda Maria de Castelo Branco Albuquerque com quem teve 14 filhos, entre os quais, Bernardo de Castelo de Branco (que ingressou na Ordem de Malta), Simão Paes do Amaral (Prior de Treixedo), Bento Paes do Amaral (Presidente da Inquisição de Coimbra) e Miguel Paes do Amaral, que lhe sucede. Homem de família, comprou em 1686 vários terrenos e casebres, idealizando a transformação das antigas e pequenas casas familiares, com Capela anexa, num Palácio à semelhança dos modelos das cortes europeias. Iniciado já no século XVIII, o Palácio da família Pais do Amaral, localizava-se estrategicamente no centro da Vila, próximo dos principais marcos referenciais, e voltado para aquela que sempre foi a avenida principal. Privilegiando o conforto e bem-estar familiar, objetivava, de igual forma, a receção impactante por apelo aos sentidos, de todos os que por ele passavam ou chegavam para ficar.
A par da sua dedicação à família, Simão pode ser considerado um verdadeiro Senhor do seu tempo, tendo auxiliado no progresso e desenvolvimento da Vila de Mangualde, bem como nos benefícios e funcionalidades do Reino. Em Mangualde, exerceu o cargo de Capitão-Mor (função consecutivamente herdada por membros da sua família) e foi também Provedor da Santa Casa da Misericórdia, durante anos sucessivos. Em prol da Misericórdia, mandou erguer uma igreja com sacristia, Casa de Despacho e Casa do Capelão-Mor para sediar a Irmandade, fundada em 16 de março de 1613 por alvará do Rei D. Filipe II e que, durante muito tempo, se encontrou sem residência própria. A 20 de julho de 1721, foi realizada a escritura de arrematação da Igreja da Misericórdia nas “casas e moradas” de Simão Paes do Amaral, tendo sido lançada a primeira pedra no ano que então corria, sob a planta de Gaspar Ferreira, artista coimbrão. A Igreja foi erguida e ricamente decorada durante os vários anos que se seguiram. Em 1725, Simão Paes do Amaral fez uma doação irrevogável à Santa Casa da Misericórdia, do terreno, Igreja e Capela-Mor (onde se faz sepultar em sepultura com as armas da família), sob a obrigação de uma missa por ano no dia de S. Simão Apóstolo.
Ainda no que respeita à benfeitoria da vila de Mangualde, Simão Paes do Amaral, fundou em 1732, juntamente com o seu parente Dr. Feliciano de Oliva e Sousa Cabral um recolhimento com o nome de Nª Srª da Conceição para “mulheres donzelas, honestas e bem procedidas” (atual capela mortuária do Complexo Paroquial de Mangualde). Da mesma índole religiosa e de caridade, procedeu a 27 de junho de 1745, à escritura para a fundação de um hospício ou casa religiosa de S. Francisco de Paula, no monte de Nossa Senhora do Castelo, junto da antiga ermida.
Ao longo da vida Simão Paes do Amaral foi igualmente desempenhando importantes cargos dignitários nomeadamente no que concerne à sua ligação com a Casa Real, enquanto Fidalgo d’El Rei D. Pedro II e D. João V. Durante os seus reinados foi encarregue de fornecer os exércitos, carruagens e expedições militares nos doze anos que durou a Guerra de Sucessão de Espanha, bem como por comunicar em nome de Sua Majestade e outras figuras importantes.
Com uma vida altamente ativa e profícua, Simão Paes do Amaral, veio a falecer a 8 de julho de 1748, em Mangualde, com 85 anos. Da sua ausência deixou um legado inigualável e perpetuado até aos dias de hoje – o de uma família, de um tempo e de uma vila.
Referências:
Alves, Alexandre. Fundo Bibliográfico Dr. Alexandre Alves. Biblioteca Municipal de Mangualde.
Boletim Informativo da Santa Casa da Misericórdia de Mangualde. Gerência de 1984. Maio de 1985.
Silva, Valentim. Concelho de Mangualde. Antigo Concelho de Azurara da Beira. CMM: 2008.

A Coleção de Azulejos do Palácio dos Condes de Anadia constitui um dos mais importantes espólios da família Pais do Amaral. Com o intuito de provocar o assombro e o aparato a quem chegava pela primeira vez, a azulejaria assume presença constante e demarcada um pouco por todo o Palácio.
Na Escadaria Real e no Salão Nobre decoram painéis setecentistas, em azul e branco, provindos da escola de Coimbra com representações mitológicas e venatórias que enaltecem o estatuto e o poder do Nobre na sociedade do séc. XVII e XVIII. No Salão de Baile, com cromatismos e concheados característicos do Rococó, revelam-se os painéis de azulejos de “O Mundo às Avessas”, uma peculiar iconografia que desafia o status quo da sociedade e onde figura o confronto entre os ideais da razão e a natureza.
Todavia, as salas mais pequenas (de receção, de estar ou de passagem) encontram-se decoradas com silhares de azulejo conhecidos como “azulejo padrão” ou “azulejo pombalino”. Esta azulejaria foi predominante na segunda metade do séc. XVIII, sobretudo no programa decorativo da reconstituição da cidade de Lisboa, após o terramoto de 1755 – Lisboa Pombalina, o que terá influenciado as mais importantes oficinas do país.
Com um papel importante, no que concerne à multifuncionalidade da decoração, o azulejo padrão pode apresentar policromia, maioritariamente em tons de azul, branco, vermelho e amarelo e ostenta a forma “padrão”, num carácter uniforme e repetitivo de diferentes motivos – estrelas, flores, entrelaçados, animais, entre outros. Atendendo à sua composição e adequação no e ao espaço, pode considerar-se que este azulejo assume a função desempenhada pela tapeçaria do séc. XVI, na decoração dos interiores. Não obstante, a padronagem permitia o próprio prolongamento das carpetes dispostas nas salas, proporcionando sensação de completude, riqueza e aconchego no espaço e um papel mormente social entre os presentes.

The Collection of Tiles from Palácio Anadia is one of the most important assets of the Pais do Amaral family. With the aim of provoking astonishment and excitement to those who arrived for the first time, the tiles assume a constant and demarcated presence throughout the Palace.
In the Royal Staircase and in the Noble Hall, there are 18th-century blue and white panels decorated from the Coimbra school with mythological and hunting representations that extol the status and power of the Nobleman in 19th-century society. XVII and XVIII. In the Ballroom, with characteristic Rococo chromaticism and shells, the tile panels of “The World Upside Down” are revealed, a peculiar iconography that challenges the status quo of society and where the confrontation between the ideals of reason and nature.
However, the smaller rooms (reception, lounge or passage) are decorated with tile ashlars known as “standard tiles” or “pombaline tiles”. This tile work was predominant in the second half of the 20th century. XVIII, mainly in the decorative program of the reconstitution of the city of Lisbon, after the earthquake of 1755 – Lisboa Pombalina, which would have influenced the most important workshops in the country.
With an important role, in terms of the multifunctionality of the decoration, the standard tile can present polychrome, mostly in shades of blue, white, red and yellow and bears the “standard” shape, in a uniform and repetitive character of different motifs – stars , flowers, intertwined, animals, among others. Given its composition and adequacy in and to the space, it can be considered that this tile assumes the function performed by the 19th century tapestry. XVI, in the decoration of the interiors. However, the pattern allowed for the extension of the carpets arranged in the rooms, providing a feeling of completeness, richness and warmth in the space and a mainly social role among those present.

Nos séculos XVII e XVIII, nas grandes cortes europeias imperava o espírito da receção, do aparato, de festividade e representação do poder. Inspirado pelos modelos circundantes, Simão Paes do Amaral, Senhor da Casa de Mangualde, mandou reformular as casas de família e transformá-las num Palácio, caracteristicamente barroco, cujo propósito assentava na arte de bem receber.
Os convidados – ilustres, familiares e amigos – eram cerimoniosamente recebidos no interior do Palácio, totalmente adaptado para este efeito. O elevado portal de receção, sobrepujado pelo escudo de armas da família encontrava-se estrategicamente voltado para a avenida principal da Vila, permitindo a entrada dos coches e liteiras, atrelados a cavalos e muares. Uma vez apeados eram recebidos pelos Senhores da Casa, com os seus trajes e acessórios sempre a preceito, como ditavam as regras da boa hospitalidade. De frente confrontava-os a imponente Escadaria Real, em dois lanços, que pretendia provocar o assombro através dos painéis de azulejos em azul e branco, do século XVIII, com a representação de temáticas mitológicas, venatórias e equestres objetivando-se a exaltação do papel e estatuto do nobre na sociedade. Não obstante, eram assoberbados simultaneamente pela azulejaria, a verticalidade e policromia dos tetos, as pinturas e o trabalhado dos arcos, janelas e portas, como se se tratasse de ritual ilusório de passagem para o andar nobre da casa, onde todas as celebrações vivamente aconteciam.
No andar nobre os convidados distribuíam-se pelas diferentes salas e salões consoante a ocasião. As Salas de Estar convidavam ao descanso das longas viagens, nos largos cadeirões e canapés, enquanto se desfrutavam os chás de especiarias, provindas dos Jardins, ou o chocolate quente, verdadeira mordomia da época. Os mais curiosos, fomentavam o lazer e a cultura junto da biblioteca, percorrendo os exemplares únicos e distintos que acompanharam a história e evolução da família Pais do Amaral. No Salão Nobre, em ambiente ricamente decorado sob uma ode mitológica assinavam-se solenemente decretos e credenciais de maior importância para a casa, a Vila e até o Reino, pelas mãos de Reis e Rainhas tão particularmente recebidos. Na hora da refeição eram reunidos os convidados na Sala de Jantar, tipicamente pompeiana. A mesa, ao centro, de grande comprimento, permitia a disposição ao redor sempre em número par, para trazer sorte aos negócios que, habitualmente, se discutiam. Os senhores tinham cadeiras elevadas e talhadas no espaldar, permitindo-lhes um lugar de destaque à mesa. As senhoras sentavam-se em cadeiras ricamente decoradas e com recortes ovais para gentilmente pousarem os seus penteados, pomposos e decorados com os grandes alfinetes de ponta. Destinados os lugares, o menu era servido consoante a caçada do dia, em motivo de celebração, no serviço mais importante da família, sempre identificado pelo monograma – PA de Pais do Amaral.
As honras finais decorriam, por fim, no Salão de Baile onde a família providenciava grandes festas, bailes e concertos. Em pano de fundo o piano francês melodiosamente intercalava com as gargalhadas, o subtil abanar dos leques, o brindar dos copos e o reluzir do curioso e intrigante painel de azulejos, reflexo do século e espírito das luzes. Reinava na sala a diversão, a crítica, a conversa, o espírito dinâmico do espetáculo dos sentidos – uma arte total: a arte de bem receber.

In the 17th and 18th centuries, in the great European courts, the spirit of reception, apparatus, festivity and representation of power prevailed. Inspired by the surrounding models, Simão Paes do Amaral, Lord of the “Casa de Mangualde”, had the family homes reformulated and transformed into a characteristically Baroque Palace, whose purpose was based on the art of hospitality.
The guests – distinguished, family and friends – were ceremoniously received inside the Palace, fully adapted for this purpose. The high reception portal, surmounted by the family coat of arms, was strategically facing the main avenue of the village, allowing the entrance of coaches and litters, harnessed to horses and mules. Once alighted, they were received by the Lords of the House, with their clothes and accessories always in order, as dictated by the rules of good hospitality. Facing them was the imposing Royal Staircase, in two flights, which was intended to provoke astonishment through the 18th century blue and white tile panels, with the representation of mythological, venatory and equestrian themes aiming at the exaltation of the role and status of the noble society. However, they were simultaneously overwhelmed by the tiles, the verticality and polychromy of the ceilings, the paintings and the work of the arches, windows and doors, as if it were an illusory ritual of passage to the noble floor of the house, where all the celebrations vividly took place. .
On the main floor, the guests were distributed among the different rooms and halls depending on the occasion. The Living Rooms invite you to rest from long journeys, in the wide armchairs and settees, while you enjoy the spiced teas from the Gardens, or the hot chocolate, true stewardship of the time. The more curious ones, promoted leisure and culture at the library, visiting the unique and distinct copies that accompanied the history and evolution of the Pais do Amaral family. In the Great Hall, in an environment richly decorated under a mythological ode, decrees and credentials of greater importance for the house, the town and even the Kingdom were solemnly signed, by the hands of Kings and Queens so particularly received. At mealtime, guests were gathered in the typically Pompeian Dining Room. The table, in the center, of great length, allowed the arrangement around it always in even numbers, to bring luck to the businesses that were usually discussed. The gentlemen had high chairs carved into the back, allowing them a prominent place at the table. The ladies sat in richly decorated chairs with oval cutouts to gently set down their pompous and decorated hairstyles with the large pointed pins. As for the places, the menu was served according to the hunt of the day, as a reason for celebration, in the most important service of the family, always identified by the monogram – PA of Pais do Amaral.
Final honors were finally held in the Ballroom, where the family provided large parties, balls, and concerts. In the background, the French piano melodiously interspersed with the laughter, the subtle waving of the fans, the toasting of the glasses and the glint of the curious and intriguing tile panel, a reflection of the century and the spirit of the lights. Entertainment, criticism, conversation, the dynamic spirit of the spectacle of the senses reigned in the room – a total art: the art of hospitality.